sábado, 24 de dezembro de 2016

Aos caminhos do Mestre


AOS CAMINHOS DO MESTRE 

O Mestre estava no deserto espiritual. Em meio à multidão, sentia-se só. Como se suas esperanças na humanidade, sofressem o aliciamento social ao inferno da cobiça, da ganância e da luxúria humana. 

Ao dobrar a esquina, dirigiu-se até a praça mais próxima. Deitou-se na grama, sob a sombra de uma árvore, e meditou por algumas horas.

Ao ver as pessoas ao longe, notou que cada um trazia um estado de humor, postura, olhar, ritmo e velocidade ao caminhar. 

Durante a reflexão, vieram, até a árvore, três homens. Um funcionário público, um morador de rua e um adolescente pré-vestibulando. 

O primeiro pediu-lhe fogo. O Mestre respondeu que nada fumava. O homem relatou que estava no intervalo do trabalho. Citando o ofício como um inferno. Ao mesmo tempo em que lhe fornecia o sossego do salário fixo. 

Nisto, aproximou-se o morador de rua, catador de latinhas, oferecendo os fósforos ao trabalhador que havia acabado de enrolar um baseado. "A gente está aqui para se ajudar" - Disse o catador.

Ao tacar fogo na marijuana, o funcionário público ofereceu uns pegas ao mendigo, que segurava o baseado, com os dedos sujos, enquanto lambia a seda, para completar a goma. 

Ao mesmo tempo, um jovem adolescente, que cruzava a praça, carregando a mochila da aula nas costas, perguntou: "Tem uns pegas aí?"

Em meio a conversa dos três maconheiros, o Mestre observava tudo há uns quatro, ou cinco, metros. 

O jovem, bem de vida, filho de um juiz e uma médica, reclamava que seus pais eram caretas. Saia às ruas para 'fumar um' com os colegas, evitando críticas, e brigas, em casa.

O funcionário público deixou o jovem, e o mendigo, com o baseado, e foi ao serviço. O mendigo olhava o jovem dos pés à cabeça. Enquanto perguntava se o garoto poderia ajudar-lhe com dois reais para a cachaça. 

O jovem convidou o mendigo para beber e a surpresa aconteceu. O mendigo disse que teria que trabalhar até as dezoito e agradeceu. Porém, avisou: "Estou sempre aqui estas horas". O jovem, parcialmente chapado, continuou a procurar por maconha. 

Seis meses depois, o Mestre encontrou o funcionário público na mesma árvore, fumando um. Perguntou como estava o trabalho. O funcionário disse que havia sido promovido. Ao perguntar sobre o jovem e o mendigo, o trabalhador apontou ao longe e disse: "Lá estão eles".

Haviam se tornado amigos. O mendigo estava lendo um livro de literatura indicada ao vestibular. Enquanto, o jovem catava latas para trocar por droga.

Haviam cruzado o caminho, um do outro, e nem sabiam. O trabalhador, que despachou-os na árvore com uma bagana, promovido, sonhava com o carro novo. 

O mendigo, havia 'contratado' um funcionário. O adolescente, um cão. Formavam uma dupla de reclames (e consolos) sobre a própria existência. 

O Mestre pôs-se em pé, e disse: "Bom, tenho que ir. Te deixo com teu baseado e vou em busca dos desafios que me cabem".

Naquele momento, o Mestre cruzava o caminho do funcionário, que fora despachado com o próprio baseado. Nunca mais se viram. 

Dizem que o Mestre tornou-se funcionário público; Enquanto, o funcionário continuou debaixo da árvore.

Contos de Paz 
Literatura Ficcional

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Visita ao Terreiro III


VISITA AO TERREIRO III 

Veio ao terreiro, conversar com os caboclos, o filho irreconhecível. Estava transfigurado. Sua cara inchada de lágrimas. Quando lhe perguntaram: "O que te traz aqui, grande irmão?"

"Axé" - Respondeu o filho de Deus, ao sentar-se na mesa do café, junto aos caboclos.

"Algo terrível. Meu coração de filho clama" - Completou.

Os caboclos o reconheceram como um grande pai. Extremamente forte; Embora estivesse destruído em seu coração de filho.

"Tenho uma sensação estranha. Como se algumas pessoas de parentesco próximo, tivessem oferecido (em loja imaginária) os pedidos dos anos anteriores, em troca de benefícios próprios. Esta casa (espiritual), que ligam aqui, é minha desde menino. Isto me incomoda. Me revolta. Me faz sentir o contrário da alegria natural" - Respondeu o filho, em voz de pai.

"Vejo justiça em teus olhos" - Respondeu um dos caboclos - "Mas algo me diz que não é isto que sente".

"Estou em guerra" - Respondeu o filho - "Justiça, sinto em quem me entende e me ajuda naquilo que priorizo" - Completou, incorporando o pai do espírito - "Justiça têm, os que me entendem e me ajudam quanto ao que batalho por direito".

Ao investigar o que estava acontecendo, descobriram que, desde que começaram a ligar, a casa (espiritual) do filho, na banda, o povo começou a ser assaltado. A sociedade a ser vingada. As indústrias a serem locadas em outros países. Havia uma ligação de fé muito forte. Uma ligação direta com Deus.

Os caboclos reconheceram no filho, já adulto, um irmão fortalecido pelas experiências da jornada. Ora pai; Ora filho, O irmão apresenta-se de formas distintas.

Em meio a conversa, os eguns e anjos dos familiares, também baixaram no terreiro. Em seguida, as pombas. Por fim, os anciãos do Axé.

"Nunca pedi os pedidos dos outros (secretos ou revelados), em troca dos próprios ganhos. Mas, se é verdade que isto existe, estou reivindicando agora" - Completou o filho, com o pai incorporado, em voz de irmão.

Se tratando dos empreendimentos anteriores, seria um apelo. Contudo, o filho explicitou: "Esqueçam o que aconteceu antes. Para mim, vale daqui pra frente"

"Quanto ao que aconteceu antes, ao investigar, o apelo cabe a vós. Estou em guerra" - Formalizou o filho, ao disponibilizar, por escrito, o pedido formal".

Ao sair do terreiro, outra entidade entrou. O espírito familiar se manifestou em revolta - "Por mim, acabaram as concessões e contratos com os demais. De hoje em diante, meu compromisso é exclusivo com o filho que veio falar-lhes nesta manhã".

Rompeu, também, os contratos com os templos e lojas que deveriam proteger, e auxiliar, o filho, por obrigação ao Grande Oriente. Inclusive, protegendo-o dos próprios familiares. Punindo-os, quando preciso.

"O vejo chorar; O vejo trabalhar; O vejo bater de porta em porta; O vejo produzir; O vejo dizer o que quer; O vejo pedir" - Testemunhou o espírito familiar.

"Seu trabalho vale dez vez o que recebe. Continuando, valerá mais ainda. Falo do trabalho espiritual, além dos trabalhos formais. Falo do trabalho que realiza no céu e na terra" - Explanou, o espírito familiar  - "Basta de sofrer pela alegria dos outros. Este filho, que acabou de sair, multiplica alegria em dias normais. No entanto, mostra-se ao contrário, quando testado, questionado ou cobrado por transgressões passadas".

O Caboclos, recebendo o espírito familiar, junto aos Exús, Eguns, Pombas, Velhos, Velhas e Santos, completaram, em uma só voz: "Terminado aqui, o contrato com tais famílias. Um ancestral indireto já havia pago o que continuam a cobrar dos filhos"

"Nem pedra angular; Nem ovelha desgarrada. Este é o filho que lembra de nós, desde criança, nas orações diárias" - Disse o espírito, ao comparar com os outros filhos (os quais, por décadas, esqueceram de agradecer o alimento antes das refeições).

Após o café, se despediu dos demais - "Me despeço de vocês, até que que isto se esclareça e se resolva" (Espírito Familiar).

*Contos de Paz 
*Psicografias do Imaginário 

pazdornelles.com